terça-feira, 18 de maio de 2021

A forma, o conteúdo e as malditas variações semânticas

 


Às vezes quando escrevo para este blog, me dou ao luxo de fazer desabafos, de ensinar alguma coisa que aprendi, seja na vida ou nos bancos de escola, e sim, de opinar sobre as patadas que tomamos da vida. Hoje espero fazer um pouco de tudo isso.

Vou começar falando da difícil arte de escrever conteúdo, seja para meu próprio blog, seja para os outros, já que o ofício de redação é o que me move. Como jornalista eu me sinto compelida a escrever fatos, usando o menor número de palavras possível, e descrever os tais fatos o mais claramente possível. Mas, estamos no mundo onde você precisa ser “visto” nas buscas online, e você é obrigado a escrever uma porção de variações semânticas, que, na minha opinião muito modesta, são o que minhas professoras de redação chamavam de “encher linguiça”.

Era um recurso que usávamos quando tínhamos preguiça de pesquisar conteúdos, o que nos tempos em que comecei era muito mais complicado, pois isso era feito em livros de verdade, escritos por gente de verdade, que tinha estudado muito para chegar à conclusão X ou Y da questão. E sem as facilidades da ferramenta ‘Internet’, que, muitas vezes, fica abaixo do que se precisa no quesito conteúdo.

Porque eu digo isso? Por outra coisa que aprendi já na minha meninice... quando a pessoa (no caso a ferramenta), protesta demais contra a ‘mentira’, a ‘fake new’, e a, por falta de palavras melhores, bobagem descartável, é porque quem está fazendo não quer nem saber se isso vai destruir ou melhorar alguma coisa.

Esta semana eu tive que produzir um texto sobre uma parceria comercial, e tive que usar em um texto de 2000 palavras, 40 variações da palavra “palestra”. O texto seria melhor se tivesse metade das palavras, mas os robôs da internet precisam “encontrar a meleca que eu escrevi. Nossa! Isso me faz sentir “tão bem”.

O outro trabalho que fiz foi uma revisão de um artigo acadêmico, que precisava ser comprimido em 20 laudas, mas tinha 30. E eu pensei: “oba! Cortar texto é comigo mesmo!” E eu cortei... Seis laudas inteiras de enchimento de linguiça. As 4 laudas não cortadas eram bibliografia que eu, na minha modesta opinião, não considero “conteúdo”. Mas nem assim a pessoa ficou satisfeita, porque para ela, se a lauda tem 20 linhas, porque não coloco 25 dentro dela? Aí entra a falta de conteúdo, porque a pessoa não aprendeu que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço... E nem vou falar na ausência de conteúdo, porque tenho visto vários trabalhos, mas essas “crianças crescidas” aprenderam com a internet que o importante é chamar a atenção para a tal variação semântica ao invés de ir direto ao ponto.

Debate zero, variações sobre um mesmo tema vazio 100.

Esses dois trabalhos chatinhos me fizeram pensar sobre o momento em que a forma passou a ser mais importante que o conteúdo. Será que foi o momento em que nos perdemos? O momento em que a preguiça de procurar fatos mais concretos, mesmo que mais dolorosos e de difícil solução, tomou conta das nossas mentes e corpos, dando espaço para as bobagens e preconceitos que jorram das redes sociais e das mentes vazias.

Veja bem: não vou aqui jogar um monte de meleca nas redes sociais e na internet, porque, de um modo ou de outro, são o meu ganha pão. Mas para não enlouquecer, não transformo essa ferramenta em divindade, que me diz onde devo ir, o que tenho que fazer, como devo me portar, me vestir, acreditar, comer, beber.  Isso seria o mesmo que acreditar em todas as propagandas da TV e agora das redes, de que esse ou aquele produto é milagroso, ou que se esta ou aquela estrela pode me dar exemplos de vida. Não é para se espelhar em tudo o que se vê. Se você quer seguir um exemplo, se mirar em alguém, procure mais próximo. Tenho certeza de há alguém para servir de exemplo, mesmo que tenhamos uma geração inteira de zumbis impensantes nas proximidades.

Minha mãe costumava dizer que devemos usar nossas cabeças para pensar, que não é porque “todo mundo está fazendo ou dizendo”, que eu tinha que repetir. Pare de se refletir nas coisas que você lê, porque isso é um robô martelando “variações semânticas” na sua mente. Não é um pensamento real.

Ah! Você é daqueles que acham a inteligência artificial melhor? Então tá. Vou dar a você algo para pensar: meu currículo está em uma plataforma de busca de vagas que usa inteligência artificial para fazer isso. Sou jornalista, redatora, revisora e analista de comunicação. Me expliquem, por favor: porque a inteligência artificial me manda vagas de analista em qualquer área, menos na minha, que é “comunicação”?

Talvez seja porque eu não tenha encontrado variações o suficiente da palavra “redatora”.

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