sábado, 24 de novembro de 2018

Sexta-Feira Negra de chuva


Isso deveria ser sobre preços, mas é sobre enchente

Tradição nos Estados Unidos, onde a sexta-feira após a Ação de Graças é um dia de comprar coisas pela metade (ou menos) do que o preço, a tal Black-Friday desembarcou aqui no Brasil e as pessoas loucas deste país vão todas tentar comprar alguma coisa pela metade do dobro do preço. Isso porque temos várias diferenças dos nossos amigos da parte norte do continente americano. Uma delas é a quantidade absurda de impostos sobre cada produto, o que torna a prática quase inviável. A outra, que leva ao motivo deste artigo, é que não temos Ação de Graças, até porque ainda não sei se temos motivos para dar graças.

Já estou ouvindo daqui os gritos de: “COMO ASSIM”? Ok! Estamos vivos e respirando, e o que mais? Estamos pagando impostos absurdos até sobre a nossa comida e remédios. Pagamos muito caro pelo direito de ir e vir. Os impostos e taxas que pagamos deveriam retornar a nós em forma de escolas públicas decentes; hospitais, e atendimento médico universal, saneamento, ruas e estradas seguras para circulação, policiamento decente e, especialmente inclusão.

Cada dia eu vejo menos gente trabalhando nas empresas, nos bancos, nas lojas, nos serviços públicos, enfim: cada vez menos gente ganhando salários que fazem a economia girar. Me pergunto aonde estamos indo?
Piraporinha às 18 horas

Estou fazendo essa volta toda para falar (e mostrar) algumas imagens da sexta-feira negra aqui no Grande ABC, que não é “maior” em nada e que continua passando as mesmas coisas de sempre.
Vamos começar as explicações: somos sete cidades, cercadas de rios e serra por todos os lados. Já tivemos uma indústria que trouxe desenvolvimento para o estado como um todo, mas, com o passar do tempo, ao invés de usarmos esse desenvolvimento para construir uma região melhor para todos, resolvemos que tínhamos que excluir pessoas para que uns pudessem se dar bem enquanto outros se danavam.

E essa é a coisa que continuamos fazendo. Nem percebemos que nós mesmos estamos sendo excluídos e que, num futuro bem próximo, podemos não ter como morar, comer, viver.
Ontem, mais uma vez, uma chuva que mais parecia um tornado veio para cima de nós. O meu bairro, que já não tinha enchentes há uns dois anos, ficou debaixo d’água. Não teve piscinão que desse jeito. Mas, comparado a outros lugares, foi suave.

Piraporinha ficou intransitável entre as 17 horas e as 23 horas, quando o caos começou a voltar a uma pseudonormalidade.  Mas não posso dizer o mesmo do centro de São Bernardo, que passa há anos por intervenções que deveriam tornar aquele espaço um “centro seco”.  Nessas horas gostaria de dizer que todos estão fazendo o melhor que podem, mas não. Porque é mais fácil dizer em grandes outdoors (muito caros) que as obras foram retomadas, como se isso fosse um grande favor, do que gastar dinheiro para acelerar as obras e terminar esse inferno logo.

Em Santo André, não sei como ficou o centro, mas vi um vídeo do cemitério de Vila Pires, que desbarrancou, com rompimento de muros de taludes, e caixões sendo despejados pelo aguaceiro. Imagens dignas de filmes de horror, mas nada novo em se tratando do Grande ABC em particular ou do Brasil em larga escala.
Cemitério de Vila Pires

Somos um país totalmente carente de infraestrutura e ainda tem alguns governantes engraçadinhos que não apenas não investem em novas obras, como não fazem sequer a manutenção básica no que já existe.

Há pouco mais de uma semana, uma ponte em São Paulo literalmente solapou. Por sorte (???) isso aconteceu num horário de pouco movimento e não houve vítimas. Eu poderia culpar o poder público apenas por falta de manutenção, mas a coisa fica melhor (???) quando se descobre que as plantas originais da ponte não existem mais. E as explicações são lindas, indo desde “os originais estavam na casa do engenheiro que pegou fogo”, e “o estado não tem cópias em seu acervo”.

E assim, dando uns poucos exemplos, mostro o desgoverno com que estamos sendo tratados há pelo menos uns 100 anos. Todo mundo acredita que um país desenvolvido se mostra por suas ruas limpas, seus prédios bem cuidados, suas estradas e ruas limpas e transitáveis. E sim, isso é verdade, mas não é a única verdade. Porque todas essas coisas só existem quando o povo que habita esse país não foi jogado na lixeira enquanto construía os privilégios de uns poucos.
Região Central de São Bernardo do Campo

As pessoas adoram mostrar as histórias de homens que “venceram” com seu próprio esforço, mas o que tenho visto nos meus 57 anos de vida é um monte de gente que ajudou esses homens a vencerem e que nunca forma reconhecidos. Esses homens podem estar, hoje mesmo, sem ter onde dormir porque suas casas foram destruídas e seus direitos aniquilados.

Como vocês podem ver, a sexta-feira foi má, mas não vejo algo muito bom pela frente, a não ser que todos nós mudemos de atitude. Precisamos exigir e ajudar a construir um país desenvolvido não só para uns poucos privilegiados, mas para todos nós, porque no momento em que esquecemos o outro, esquecemos qualquer humanidade.

Se mudarmos de verdade, talvez possamos ter uma ação de graças e aí sim, uma Black-Friday.

Ah! Como jornalista, sei que, muitas vezes não temos o que falar quando estamos ao vivo, mas as chuvas e as enchentes não causam só "transtornos" na volta para casa. Elas destroem vidas.



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