sábado, 28 de julho de 2018

Memórias do olhar ao paladar


Quem me acompanha aqui no blog sabe muitas coisas sobre mim. Coisas que vão além do fato de eu ter mais do que 39 anos, de eu estar indignada com muitas coisas e de que gosto de culinária e de plantas, natureza etc.

Sabem, por exemplo, que sou uma caminhante, não apenas por motivos de manter a saúde, mas também por gostar de ver paisagens e pessoas, e isso só é plenamente possível quando se anda por um lugar.

Hoje, por exemplo, vou lembrar dos tempos em que era adolescente e trabalhava em uma empresa que pagava semanalmente. Sei que chegava o sábado e eu ia com uma amiga para o centro velho de São Paulo, bater perna; comprar discos no Museu do Disco; ir a algum sebo; apreciar a arquitetura da cidade e, claro (!), comer coisas que não eram tão fáceis de encontrar.

Eram meados dos anos 70 para o final, o Mappin ainda existia, assim como muitas lojas que hoje nem são mais lembrança. Ah as vitrines da Piter...

O passeio sempre começava no Parque D. Pedro, onde paravam os ônibus que vinham de São Bernardo, e a gente escolhia por qual rua ia “subir”. Ou General Carneiro ou Porto Geral. Naqueles idos dos 70 eu só subia a General quando queria comprar alguma coisa dos marreteiros. E havia muitos!!!

Quase sempre chegávamos ao Largo São Bento, fazíamos uma prece na igreja e decidíamos em qual direção iríamos. Mas o mais comum era pegarmos a Libero Badaró em direção à Praça do Patriarca, fazendo um “pit stop” no Bar Lírico para tomar um café coado à moda antiga. Tão bom que o aroma nos alcançava bem antes de chegarmos ao local.

E quando a gente tinha um pouquinho mais de dinheiro sobrando, comíamos um sanduíche que queijo do reino Palmyra, marca que nunca mais vi por aqui. E saíamos andando aonde as pernas nos levassem. Saudades do Lírico. Hoje a Líbero Badaró está tão desfigurada que nem sei o que virou. Talvez um dos estacionamentos totalmente fora do padrão que há em todas as partes do centro de São Paulo. A única referência que continua dessa parte é a Casa Godinho, que resiste em uma cidade que se perdeu.

As andanças continuavam ou pela Rua Direita, sentido Sé, ou pelo Viaduto do Chá, sentido Praça da República. E além de olharmos todas as vitrines, de cima a baixo, olhávamos os prédios antigos da região, comíamos o cachorro quente das Lojas Americanas, imbatível até hoje, e andávamos até cansar e parar para almoçar ou tomar suco.

São memórias de tempos mais simples, nos quais andava à toa pelo centro, sem medo de ser feliz. Hoje me entristeço. Mesmo indo sempre que posso bordejar pelas vias, faço outros percursos, pois vejo o quanto tudo mudou, e não foi para melhor. O Lírico não existe mais, nem a lanchonete das Americanas ou as lojas aonde eu ia.

Mas o que me trouxe à memória essas andanças todas foi uma notícia que li um dia desses que o restaurante La Farinata, que serviu muitos almoços para mim e essa amiga, fechou suas portas para sempre. Mesmo sabendo que há muitas coisas novas, e casas de grandes chefs pelo centro, sinto falta daquelas casas tradicionais, onde você podia comer um canelone de respeito sem ter que vender um rim para pagar, ou simplesmente começar seu dia com um café coado e um sanduíche de queijo.



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